Limites para o CADE revisar as suas decisões tomadas em ato de concentração: Uma análise prática

Sarah F. Martins – Sócia do escritório Couto de Barros & Martins

 

Sumário: Introdução. 1. Colocação do problema. 2. CADE. 2.1. Limites à revisão do ato de concentração. 3. Garantia da segurança jurídica e da estabilidade das relações jurídicas. Conclusão.

 

Introdução

 

O propósito do presente artigo é questionar quais são os limites para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), criado para combater práticas anticompetitivas no mercado, rever seus próprios atos, já consolidados, a partir do estudo de um caso prático, tendo como pano de fundo a proteção à segurança jurídica e às expectativas de confiança dos administrados, que se traduz na necessidade de certeza das decisões.

Assim, para entender esses limites será necessário abordar, sinteticamente, a estrutura do CADE, seus atos, destacando quais as situações e particularidades que ensejam o julgamento do ato de concentração, procedimento prévio, que autoriza a operação de uma atividade potencialmente anticoncorrencial.

Em seguida, mediante a análise de um caso concreto, analisar se esses limites estão sendo observados ou se o CADE pode revisar seus atos, a qualquer momento, afastando qualquer expectativa de estabilidade das relações jurídicas já consolidadas.

Por fim, diante do estudo da estrutura do CADE e sua atuação prática será possível verificar se os limites para a revisão do ato, especificamente no âmbito antitruste, são ou não suficientes para garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas, em primazia à certeza das decisões e a consolidação dos seus efeitos.

 

CADE

 

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com atribuições discriminadas na Lei nº 12.059/2011, sendo que, em linhas gerais, o CADE tem a função de zelar pela livre concorrência no mercado, reprimindo condutas anticompetitivas ou fomentando a livre concorrência.

Nesse sentido, o CADE é composto por três órgãos, quais sejam o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, Superintendência-Geral e Departamento de Estudos Econômicos, com unidades de apoio da Procuradoria Federal Especializada e a Diretoria de Administração e Planejamento.

Entretanto, o CADE foi criado, inicialmente, como um órgão do Ministério da Justiça, pela Lei nº 4.137/62, para fiscalizar a gestão econômica e contábil das empresas, sendo que foi transformado em autarquia pela Lei nº 8.884/1994, que junto com a Secretaria de Direito Econômico e com a Secretaria de Acompanhamento Econômico formaram o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, responsável pela política de defesa da livre concorrência.

Nesse período, o CADE julgava os processos administrativos contra prática anticompetitivas e apreciava os atos de concentração, sendo que, com a Lei nº 12.529/2011, o CADE passou a ser responsável por investigar e instruir os processos administrativos, função desempenhada pelo Superintendência-Geral, e não apenas julgá- los. Por fim, cabia ao Departamento de Estudos Econômicos a função de aprimorar as análises econômicas e fornecer maior segurança sobre os efeitos das decisões do Cade.

Merece destaque, nesse artigo, a mudança introduzida pela referida legislação, no que se refere a exigência de submissão prévia ao Cade de fusões e incorporações de empresas que poderiam representar efeitos anticoncorrenciais no mercado, sendo que, com o advento da Lei nº 12.529/2011, o controle de tais fatos passou a ser, necessariamente, prévio, a fim de minimizar eventuais efeitos negativos de um ambiente concorrencial.

Dessa forma, a missão institucional do Cade é: “zelar pela manutenção de um ambiente competitivo saudável, prevenindo ou reprimindo atos contrários, ainda que potencialmente, à ordem econômica, com observância do devido processo legal em seus aspectos material e formal”1.

Como se vê, a nova legislação introduziu dois eixos de atuação do CADE, o  eixo preventivo e o eixo repressivo. No primeiro, são analisadas as operações de fusões e incorporações das empresas para garantir o mercado competitivo. Já no segundo, se analisa e identifica as atividades que prejudicam a concorrência, gerando prejuízos aos consumidores, como a formação de cartéis. Assim, são dois pêndulos que direcionam a atuação do Cade.

Ou seja, a introdução da análise preventiva dos atos de concentração se deu pela demora na instrução e julgamento de atos de fusão e incorporação, que, no caso de uma situação complexa, girava em torno de 700 (setecentos) dias, sendo que, nesse ínterim, o negócio se concretizava e produzia efeitos no mercado.

A análise preventiva dos atos trouxe a possibilidade de avaliação antes da concretização dos mesmos e em um tempo menor, já que, com a nova legislação, a forma de gerir os processos para julgamento do ato de concentração mudou com a possibilidade de alteração dos critérios para a notificação da operação, a possibilidade de a Superintendência-Geral decidir monocraticamente, sem apreciação do Tribunal do Cade, e a possibilidade de se requerer a complementação das informações apresentadas.

Nessa celeuma, importante destacar, para os fins do presente artigo, que a própria legislação mudou para incorporar um novo eixo de atuação do Cade, diante da necessidade de se alterar a forma de gerir os processos de instrução e julgamento do ato de concentração e, mais que isso, necessidade de avaliar o ato de fusão e incorporação de empresas, cuja operação tenha registrado faturamento bruto anual ou volume de negócios equivalente ou superior a R$ 75 milhões, antes de sua concretização do mercado com o intuito de evitar que, em caso de risco de prática anticoncorrencial, o ato nem chegasse a gerar efeitos.

Pode-se afirmar, portanto, que o objetivo geral da iniciativa era criar um procedimento de análise de atos de concentração com eficiência, qualidade, agilidade e, indiretamente, segurança jurídica, para que a atividade aprovada pudesse operar com a tranquilidade, sem a presença de qualquer risco de concorrência ao mercado.

Nesse sentido, a lógica é que, uma vez concluído o julgamento do ato de concentração, a decisão não poderia ser revista, visto que, no caso de sua aprovação, seria dado início a operação de uma atividade e a sua revisão comprometeria não só aquela operação, como todo o mercado, gerando um ambiente de desestabilidade.

Entretanto, a revisão de atos de concentração no Cade não é incomum, como se pode verificar pelo caso do consórcio Gemini, que é formado pela Petrobrás Gás S.A (Gaspetro), White Martins Gases Industriais Ltda (White Martins) e a GNL Gemini Comercialização e Logística de Gás Ltda (GásLocal), teve a sua estrutura, em 2004, submetida ao CADE2. A aprovação da operação do consórcio era requisito necessário para a exploração do negócio, qual seja, a produção, a comercialização e a distribuição de gás natural liquefeito (GNL) entre a Petrobras, a White Martins e a Gás Local.

Em 17 de janeiro de 2007, o CADE decidiu, por meio do julgamento de um ato de concentração do Plenário, pela aprovação da operação do Consórcio Gemini com restrições, pois considerou que o acordo operacional do consórcio e as demonstrações contábeis da GásLocal deveriam ser públicos, como medida de mitigação de riscos anticoncorrenciais. No entanto, alegando confusão entre transparência e publicidade, sendo os documentos com natureza sigilosa, o consórcio ingressou em juízo, por meio de uma medida cautelar inominada com pedido de liminar, para que o CADE se abstivesse de divulgar quaisquer dados, informações e documentos do referido consórcio de caráter sigiloso até a apreciação definitiva da liminar.

Em 29 de janeiro de 2007, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região acolheu o pedido do consórcio e suspendeu a decisão do CADE, em sua integralidade, sob o fundamento de que as informações teriam natureza sigilosa, deixando a faculdade do CADE para que tomasse outra decisão, nos limites do princípio da razoabilidade.

Porém, na ocasião, o CADE não recorreu da decisão, fazendo com que a mesma transitasse em julgado. Assim, a concessionária passou a operar suas atividades pela estrutura previamente apresentada e apreciada pelo CADE, sem qualquer restrição.

Em 20 de setembro de 2007, a Comgás formulou Representação com pedido de medida preventiva ao CADE contra o referido consórcio junto à extinta Secretaria de Direito Econômico (SDE), que instaurou a Averiguação Preliminar e a arquivou, em 10 de março de 2009, com pareceres favoráveis da Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE (ProCADE) e do Ministério Público Federal (MPF), ambos convergentes pelo dito arquivamento.

Em 04 de dezembro de 2013, ou seja, passados quase sete anos, a então Conselheira-Relatora discordou dos entendimentos anteriores de arquivamento da Averiguação Preliminar, razão pela qual determinou a abertura de Processo Administrativo para apuração de infrações à ordem econômica e, concomitantemente, entendeu que o Ato de Concentração era passível de revisão pelo não cumprimento da decisão do CADE e pela faculdade exarada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Em 2016, o Plenário do CADE decidiu o Processo Administrativo para apuração de infrações à ordem econômica, com a recomendação de condenação das figuras envolvidas pela prática de ato anticoncorrencial ao pagamento de multa, bem como aprovou o ato de concentração revisto, sugerindo a adoção de novas medidas estruturais aplicadas ao consórcio, como o compromisso de que o Consórcio Gemini se operaria em conformidade com a Nova Política de Preços (NPP) da Petrobras e o estabelecimento de condições comerciais análogas àquelas praticadas nas relações entre a Petrobrás e a Comgás, em linha com o princípio geral de não-discriminação, sendo que o cumprimento dessa última medida representa para o consórcio vultosos custos, já que as condições de operação do mesmo restariam modificadas e, portanto, prejudicadas, sendo a relação firmada entre as empresas que formam o consórcio e o produto que comercializam diferente daquela estabelecida entre a Petrobrás e a Comgás.

Portanto, como se vê, decorridos mais de uma década de operação do consórcio, a Administração Pública, na figura do CADE, decidiu reexaminar a constituição do consórcio Gemini, que já havia sido decidida pelo Plenário do CADE, assim como pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que afastou as ressalvas impostas pelo CADE, tornando, assim, a decisão definitiva. Esse problema de definitividade das decisões administrativas, agravado pelo cenário de intensa judicialização das questões administrativas, colocou em risco as expectativas de direito incorporadas no particular pela decisão administrativa anterior, que autorizou o funcionamento do referido consórcio. Assim, evidente está a necessidade de estabilidade da relação jurídica e a previsão de limites claros para a atuação administrativa, diante dos efeitos já exarados pelo ato administrativo.

E, mais a mais, as fórmulas de estabilização das relações jurídicas, consagradas pela Constituição, são o direito adquirido, o ato administrativo perfeito e a coisa julgada administrativa. Porém, o desafio está em reconhecê-las na prática administrativa, considerando a pluralidade de normas que informam cada ação administrativa específica e o fato de que nem sempre essas fórmulas serão formalmente reconhecidas.

A proposta do presente estudo é indicar em quais situações se colocará o dever de preservação das decisões tomadas em atos de concentração pelo CADE, independentemente de sua formalização específica, considerando o seu caráter de definitividade. Em quais casos coloca-se uma interdição à revisão de seus atos pretéritos com base no dever geral de autotutela? Essa resposta apenas pode ser alcançada considerando os limites delineados para a revisão do CADE.

 

Limites à revisão do ato de concentração

 

Pela lei federal do processo administrativo, na qual o Cade deve observar, há previsão geral, no artigo 53, de que a Administração Pública, no exercício de suas funções, deve anular os atos eivados de vícios de legalidade e pode revogá-los, mediante análise de conveniência e oportunidade.

Ademais disso, na tentativa de harmonizar e equilibrar o sistema, o artigo 543, do diploma legal ora citado, estabelece um limite para a invalidação das decisões administrativas, o que é acolhido pela jurisprudência e pela doutrina, como de Almiro de Couto e Silva4, que entente que as decisões viciadas devem ser preservadas quando:

(i) delas decorrerem efeitos favoráveis; (ii) o particular estiver de boa-fé; e (iii) transcurso de tempo igual ou superior a cinco anos.

De qualquer maneira, vale destaque no presente artigo, especificamente, o âmbito antitruste, cujo novo Regimento Interno do CADE, aprovado pela Resolução nº 20, de 07 de junho de 2017, faz a previsão de limite para revisão do ato administrativo, no artigo 168, parágrafo único, qual seja, com o julgamento do pedido de aprovação do ato de concentração, ou com o julgamento do mérito, o ato não poderá mais ser revisto, desde que o julgamento não tenha sido baseado em informações falsas ou enganosas, ou se ocorrer o descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas ou não forem alcançados os benefícios visados.

Nesse esteio, sendo o ato de concentração aprovado, reprovado ou aprovado com restrições, este não poderia ser reapresentado ou revisado no âmbito do Poder Executivo, reservado ao Poder Judiciário, como titular da jurisdição una, a análise da legalidade ou ilegalidade do ato.

Assim, para o julgamento do ato de concentração, a Superintendência-Geral do Cade analisa o custo e benefício da operação de fusão ou aquisição, haja vista que tais operações têm alto risco de concentração do mercado, podendo gerar mais custos e prejuízos aos fornecedores e consumidores finais do que benefícios ou ganhos compensatórios. Por exemplo, no caso do consórcio Gemini, chegou-se a conclusão inicial de que os ganhos compensatórios que a união da Petrobrás com a White Martins, para a formação do consórcio com a finalidade de produzir, comercializar e distribuir o gás natural liquefeito (GNL), representaria para clientes ainda não servidos de gás canalizado seria maior que os custos de concentração que a operação poderia gerar, a despeito de suas consequências para o mercado.

Com efeito, o julgamento do mérito do ato de concentração passa por algumas etapas, como a definição do mercado relevante; a análise do grau de controle desse mercado relevante; a análise da probabilidade do exercício do poder econômico; a análise das eficiências da operação para, então, chegar a conclusão. Ou seja, a análise para a aprovação ou reprovação da operação é complexa, que não parte de uma análise apressada.

Diante disso, cabe ressaltar que o consórcio Gemini foi aprovado e, posteriormente, revisto. Logo, a previsão do limite, no âmbito antitruste, seria suficiente para impedir a revisão do ato, tende em vista a alegação dada para isso, e, ainda, mesmo que tal limite não existisse, não seria possível impedir a revisão do ato pelos limites gerais já citados da lei do processo administrativo? Essa análise será feita no próximo tópico, em que será possível sopesar os argumentos utilizados para a revisão do ato administrativo em contradição a garantia de segurança jurídica do sistema e da estabilidade das relações jurídicas administrativas, passando pela reflexão das normas até então dispostas para harmonizar e equilibrar esses dois lados.

 

Garantia da segurança jurídica e da estabilidade das relações jurídicas

 

No caso Gemini, para fundamentar a decisão de revisão do ato de concentração a Conselheira Relatora sustentou que o Poder Judiciário, ao suspender as restrições impostas pelo CADE, facultou ao Cade de tomar outra decisão. Vejamos um trecho da decisão:

 

“Em 30.11.2016, a GásLocal invocou uma suposta decadência do direito do CADE de revisar sua decisão no Ata de Concentração, pelo fato de terem transcorridos mais de 5 (cinco) anos daquela decisão 9SEI nº 0274873). A este respeito, duas observações importantes merecem ser feitas, de modo a afastar a alegada preliminar processual: (i) o ato de concentração jamais foi totalmente aprovado, em razão da judicialização de aspecto-chave das restrições impostas, como será visto adiante, inclusive com chancela  do Poder Judiciário para a revisão do ato de concentração; e (ii) a aprovação de um ato de concentração não impede que o CADE reprima eventuais práticas anticompetitivas existentes ao longo da vida da nova empresa, sobretudo em matéria de práticas discriminatórias, comum em casos envolvendo integrações verticais. Não é por outra razão que medidas estruturais podem ser impostas no âmbito de processos administradores sancionadores, além de penas pecuniárias. Ademais, o próprio Poder Judiciário facultou ao CADE proferir nova decisão em relação ao ato de concentração, quando decidiu: “suspender a decisão do CADE, ficando, porém, facultado a tal órgão que tome outra decisão em seu lugar, dentro do princípio da razoabilidade (TRF 1ª Região em 29.01.2007)”.

 

 

Como se vê, os limites estabelecidos no Novo Regimento Interno do CADE não seriam suficientes para evitar a revisão do julgamento do ato, já que a decisão de mérito foi afastada pela faculdade concedida pelo Judiciário à autarquia de tomar outra decisão razoável.

Assim, quando o mérito pode ser utilizado para afastar a revisão dos atos, ou melhor como reconhecer uma decisão administrativa com julgamento de mérito?

O julgamento do ato de concentração do caso Gemini passou pelo crivo do CADE e a operação foi aprovada com restrição, isto é, aparentemente, houve julgamento de mérito, tanto que se deu início as atividades. Porém, passados mais de dez anos, esse mérito foi afastado e prevaleceu a faculdade concedida pelo Judiciário. Logo, o julgamento do mérito não foi suficiente para limitar a revisão do ato.

Por isso, o que se pretende mostrar é que as decisões do CADE não geram expectativa de estabilidade nos administrados, já que não é incomum essa situação de revisão de seus próprios atos, levando a uma insegurança jurídica para àqueles que estão sujeitos a sua aprovação para iniciar suas atividades, sem falar na possibilidade, defendido por parte da doutrina, de revisão das decisões do CADE pelo Poder Judiciário, que poderá ser tratada em outra oportunidade. Todavia, deve-se salientar que o administrado tem que conviver com a possibilidade de revisão das decisões exaradas pelo CADE por ele mesmo e pelo Judiciário, levando a uma desconfiança do sistema.

Nessa via, Canotilho ensina que: “A durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídicosocial e das situações jurídicas”, sendo que outra “garantística jurídico-subjectiva dos cidadãos legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas.”5

A respectiva confiança na permanência das situações jurídicas está ligada ao princípio da segurança jurídica, que possui uma dimensão tanto objetiva quanto subjetiva. Vejamos.

A dimensão objetiva da segurança jurídica está relacionada com a estabilidade das relações jurídicas, com a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada, matérias com proteção constitucional, segundo estabelece o artigo 5º, inciso XXXVI, da Magna Carta.

Noutro giro, a dimensão subjetiva do princípio da segurança jurídica está ligada a proteção à confiança, que nas palavras de Maria Sylvia Zanella de Pietro6: “a proteção à confiança leva em conta a boa-fé do cidadão, que acredita e espera que os atos praticados pelo Poder Público sejam lícitos e, nessa qualidade, serão mantidos e respeitados pela própria Administração e por terceiros.”

Atualmente, tem-se pensado na proteção à confiança do administrado como um princípio autônomo ao da segurança jurídica. De qualquer forma, se visa proteger a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos que os atos da Administração Pública produz.7

Para além disso, Canotilho entende a segurança jurídica como um elemento constitutivo do Estado de Direito, a saber:

 

“O indivíduo tem como direito poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico poderes”.

 

Nesse sentido, tanto a estabilidade das relações jurídicas quanto a segurança jurídica visam elidir as modificações arbitrárias dos atos da Administração Pública, assim como trazer a previsibilidade das consequências jurídicas e a certeza das decisões se prolongarem no tempo, irradiando seus efeitos.

E, ainda, sobre a questão da previsibilidade, Dimitri Dimoulis8 ensina que: “o indivíduo não só conhece aquilo que pode e não pode fazer e as consequências da eventual violação da norma, mas sabe também que o Estado nunca o surpreenderá”.

Portanto, a segurança jurídica, a confiança do administrado nos atos do Poder Público são garantias individuais que, em caso de violação, colocam em risco, inclusive, o sistema jurídico, razão pela qualquer alteração superveniente da Administração Pública deve levar em consideração os efeitos que o ato erradia na seara jurídica.

 

Conclusão

 

Como se viu, o Cade analisa previamente o ato de concentração de fusões, incorporações e aquisições de empresas cuja operação possa representar práticas anticoncorrenciais no mercado, sendo que, com o advento da Lei nº 12.529/2011, o controle de tais fatos passou a ser, obrigatoriamente, prévio a fim de minimizar eventuais efeitos negativos de um ambiente concorrencial.

Diante disso, após analisar o ato de concentração e julgá-lo o Cade deve encontrar limites para modificar a decisão de mérito, haja vista que, com a aprovação do ato, a operação é realizada e começa a gerar efeitos, motivo pelo qual um dos grandes desafios se refere a estipulação de limites claros a modificação do julgamento do ato de concentração com o intuito de garantir a segurança jurídica do sistema e a confiança do administrado de perpetuação dos atos da Administração Pública.

Por derradeiro, restou evidenciado que o julgamento de mérito do ato de concentração não é suficiente para impedir que o Cade modifique a decisão que deu azo a operação analisada.

Dessa forma, sendo a segurança jurídica e a certeza das decisões uma garantia constitucional do administrado, a proposta do presente artigo é que o Cade encontre limites de revisão dos seus atos para além daqueles já previstos nas normas jurídicas, inclusive no seu Regimento Interno, sendo a análise individual de cada ato importante para identificar se os mesmos já produziram efeitos e se tornaram “maduros” a ponto de não serem mais modificados, conforme análise da doutrina norte-americana do timing.

 

Citações

 

[1] História do CADE. Disponível em <http://www.cade.gov.br/acesso-a- informacao/institucional/historico-do-cade>. Acesso em 30 de novembro de 2017.

[2] Ato de concentração nº 08012.001015/200408

[3] Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

[4] COUTO E SILVA, Almiro do. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, abril/maio/junho, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 24/11/2017.

[5] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional, p. 374.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, pág. 87.

[7] CANOTILHO, 2002, p. 257

[8] DIMOULIS, 2011, p.86-87

 

Referências bibliográficas

 

BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Lex: legislação federal, Brasília.

BRASIL. Regimento interno do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade- 07_Nov-2017.                               Disponível        em:        <http://www.cade.gov.br/assuntos/normas-e- legislacao/regimento-interno/novo-regimento-interno-do-conselho-adminstrativo-de- defesa-economica-cade-07_nov-2017>. Acesso em 19/11/2017.

CARVALHO, Humberto Lucchesi de; MENDES, Vicente de Paula; A ênfase principiológica da segurança jurídica e da boa-fé no fortalecimento da teoria da convalidação do ato administrativo. 2001 enc. Dissertação de mestrado – Universidade Federal de Minas Gerais.

COUTO E SILVA, Almiro do. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, abril/maio/junho, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 24/11/2017.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2012.

DUARTE, Filipe Ribeiro. A análise de atos de concentração pelo Cade: o controle de operações com fulcro no art. 88º, §7º da lei 12.529/11. Migalhas. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI212420,101048A+analise+de+atos+de+conc entracao+pelo+Cade+o+controle+de+operacoes>. Acesso em 20/11/2017.

FONSECA, José Júlio Borges da. Direito antitruste e regime das concentrações empresariais. São Paulo: Atlas, 1997.